quarta-feira, 21 de setembro de 2016

São Paulo sofre nova derrota na guerra fiscal


Por Joice Bacelo

Luís Alexandre Barbosa: debate, agora, é sobre a base efetiva do ISS

A Prefeitura de São Paulo perdeu mais um round da guerra fiscal travada com o município de Barueri. O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou recurso em que a capital paulista pedia a inconstitucionalidade de uma lei criada pelo governo vizinho para diminuir a base de cálculo do Imposto sobre Serviços (ISS) – a partir, principalmente, da exclusão de tributos federais dessa conta.

São Paulo levou a questão ao Judiciário por entender que tal legislação resulta, na verdade, em uma manobra de Barueri para escapar da alíquota mínima exigida pela Constituição Federal, que é de 2%. O piso estabelecido ao ISS consta no artigo 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O dispositivo estabelece ainda que o imposto não poderá ser "objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais".

A discussão envolve a Lei Complementar nº 118, de 2002, alterada pela Lei Complementar nº 185, de 2007. A norma permitiu ao município de Barueri retirar da base de cálculo do ISS o Imposto de Renda (IRPJ), a CSLL, o PIS e a Cofins. Autorizou ainda a dedução do que considera receitas de terceiros para atividades como leasing, construção civil, planos de saúde e agências de turismo.

No caso dos planos de saúde, um dos mais polêmicos – e que não é reconhecido pela legislação de São Paulo -, o tributo incide somente sobre os valores mantidos no caixa das operadoras. Ou seja, o que foi pago pelo cliente e repassado aos profissionais e clínicas médicas não entra na base de cálculo do ISS recolhido ao município de Barueri.

O ministro Luís Roberto Barroso, em sua decisão, não entrou no mérito. Ele entendeu que a modificação da base de cálculo do ISS demandaria exame da legislação municipal, o que não seria de competência do STF. "Regulamentações relegadas a normas infraconstitucionais traduzem-se em impossibilidade da análise", afirma.

Com decisão, fica mantido entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O Órgão Especial decidiu, em outubro de 2013, que a lei de Barueri não fere a Constituição Federal. Para os desembargadores, o ISS deve ter como base de cálculo apenas o preço do serviço efetivamente prestado.

Entenderam ainda, na época, que o imposto não deveria incidir sobre valores que entram no caixa mas não integram o patrimônio do prestador de serviço. "O conceito de preço de serviço não pode compreender todas as entradas nos cofres das empresas", afirma na decisão o relator do caso, desembargador Samuel Júnior.

A Procuradoria-Geral do Município (PGM) de São Paulo já apresentou agravo à decisão do ministro e tenta levar o caso à análise de turma. "É uma demanda que nos parece consistente. Tanto que foi reconhecida pelo TJ-SP nos casos de Poá e Santana de Parnaíba", diz o assessor jurídico da prefeitura, Dario Durigan. Ele se refere a ações vencidas pela capital paulista que também tratavam de redução da base de cálculo do ISS.

No caso de Santana de Parnaíba, havia sido concedido desconto para uma lista de 67 serviços. Enquanto que em Poá os contribuintes podiam abater valores relativos a tributos, entre eles o Imposto de Renda.

De acordo com dados da Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico de São Paulo, a guerra fiscal gerou perda de arrecadação de pelo menos R$ 1,1 bilhão – valor referente somente às disputas com os municípios de Poá e Barueri.

Dario Durigan chama a atenção para o Projeto de Lei (PL) nº 386, de 2012. A proposta, que tem a autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), se aprovada, impediria qualquer forma que resultasse "direta ou indiretamente em uma carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima de 2%". Estabelece ainda como nula a lei ou ato do município que não respeite as referidas disposições. O texto prevê também alterações à lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 2003 – em que constam os serviços sujeitos ao imposto.

No Congresso, o PL ganhou o apelido de "lei da reforma do ISS". O texto original sofreu alterações na Câmara Federal e foi devolvido para o Senado. "Uma das grandes discussões desse projeto de lei são os mecanismos para inibir a guerra fiscal. Acabaria sendo um remédio para essa questão de Barueri", afirma o assessor jurídico.

Procurador do município de Barueri, Alexandre de Lorenzi frisa, no entanto, que a legislação contestada pela Prefeitura de São Paulo não trata de redução de base de cálculo do ISS. "Nós trabalhamos com a tese de que estamos tributando apenas aquilo que é relativo a serviço. Então não há redução. Tributos federais, pela natureza que têm, não devem fazer parte do cálculo", afirma.

Ele destaca ainda que o município enfrentou uma outra ação semelhante e a Justiça também se manifestou em favor de Barueri. Trata-se, nesse caso, de uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), ajuizada pelo Distrito Federal no STF. A ação teve como relator o ministro Marco Aurélio.

"Isso mostra que a legislação está bem consolidada", diz Lorenzi. O procurador acrescenta que esse tipo de disputa traz prejuízos para o sistema tributário. "Em vez de todos convergirem para um imposto mais justo, estão brigando pela mesma fatia do dinheiro."

Especialista na área, Luís Alexandre Barbosa, sócio do escritório LBMF Sociedade de Advogados, acompanha as discussões desde o início. Para ele, a prefeitura de São Paulo pode ter "dado um tiro no próprio pé". O advogado diz que é possível, a partir da manifestação do STF, que contribuintes da capital comecem a buscar o Judiciário para tentar deduções semelhantes às previstas na lei do município vizinho.


"A discussão não se limita aos contribuintes de Barueri. O debate, agora, é sobre a base efetiva do ISS", diz o advogado. Ele acrescenta que já foi procurado por três empresas de São Paulo interessadas em ajuizar ação contra o município. Nesses casos, a discussão seria sobre a inclusão dos tributos no cálculo.

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