Por Joice Bacelo
Fonte: Valor Econômico
Luís Alexandre
Barbosa: debate, agora, é sobre a base efetiva do ISS
A
Prefeitura de São Paulo perdeu mais um round da guerra fiscal travada com o
município de Barueri. O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal
Federal (STF), negou recurso em que a capital paulista pedia a
inconstitucionalidade de uma lei criada pelo governo vizinho para diminuir a
base de cálculo do Imposto sobre Serviços (ISS) – a partir, principalmente, da
exclusão de tributos federais dessa conta.
São
Paulo levou a questão ao Judiciário por entender que tal legislação resulta, na
verdade, em uma manobra de Barueri para escapar da alíquota mínima exigida pela
Constituição Federal, que é de 2%. O piso estabelecido ao ISS consta no artigo
88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O dispositivo
estabelece ainda que o imposto não poderá ser "objeto de concessão de
isenções, incentivos e benefícios fiscais".
A
discussão envolve a Lei Complementar nº 118, de 2002, alterada pela Lei Complementar
nº 185, de 2007. A norma permitiu ao município de Barueri retirar da base de
cálculo do ISS o Imposto de Renda (IRPJ), a CSLL, o PIS e a Cofins. Autorizou
ainda a dedução do que considera receitas de terceiros para atividades como
leasing, construção civil, planos de saúde e agências de turismo.
No
caso dos planos de saúde, um dos mais polêmicos – e que não é reconhecido pela
legislação de São Paulo -, o tributo incide somente sobre os valores mantidos
no caixa das operadoras. Ou seja, o que foi pago pelo cliente e repassado aos
profissionais e clínicas médicas não entra na base de cálculo do ISS recolhido
ao município de Barueri.
O
ministro Luís Roberto Barroso, em sua decisão, não entrou no mérito. Ele
entendeu que a modificação da base de cálculo do ISS demandaria exame da
legislação municipal, o que não seria de competência do STF.
"Regulamentações relegadas a normas infraconstitucionais traduzem-se em
impossibilidade da análise", afirma.
Com
decisão, fica mantido entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
O Órgão Especial decidiu, em outubro de 2013, que a lei de Barueri não fere a
Constituição Federal. Para os desembargadores, o ISS deve ter como base de
cálculo apenas o preço do serviço efetivamente prestado.
Entenderam
ainda, na época, que o imposto não deveria incidir sobre valores que entram no
caixa mas não integram o patrimônio do prestador de serviço. "O conceito
de preço de serviço não pode compreender todas as entradas nos cofres das
empresas", afirma na decisão o relator do caso, desembargador Samuel
Júnior.
A
Procuradoria-Geral do Município (PGM) de São Paulo já apresentou agravo à
decisão do ministro e tenta levar o caso à análise de turma. "É uma
demanda que nos parece consistente. Tanto que foi reconhecida pelo TJ-SP nos
casos de Poá e Santana de Parnaíba", diz o assessor jurídico da
prefeitura, Dario Durigan. Ele se refere a ações vencidas pela capital paulista
que também tratavam de redução da base de cálculo do ISS.
No
caso de Santana de Parnaíba, havia sido concedido desconto para uma lista de 67
serviços. Enquanto que em Poá os contribuintes podiam abater valores relativos
a tributos, entre eles o Imposto de Renda.
De
acordo com dados da Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento
Econômico de São Paulo, a guerra fiscal gerou perda de arrecadação de pelo
menos R$ 1,1 bilhão – valor referente somente às disputas com os municípios de
Poá e Barueri.
Dario
Durigan chama a atenção para o Projeto de Lei (PL) nº 386, de 2012. A proposta,
que tem a autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), se aprovada, impediria
qualquer forma que resultasse "direta ou indiretamente em uma carga
tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima de 2%".
Estabelece ainda como nula a lei ou ato do município que não respeite as
referidas disposições. O texto prevê também alterações à lista de serviços
anexa à Lei Complementar nº 116, de 2003 – em que constam os serviços sujeitos
ao imposto.
No
Congresso, o PL ganhou o apelido de "lei da reforma do ISS". O texto
original sofreu alterações na Câmara Federal e foi devolvido para o Senado.
"Uma das grandes discussões desse projeto de lei são os mecanismos para
inibir a guerra fiscal. Acabaria sendo um remédio para essa questão de
Barueri", afirma o assessor jurídico.
Procurador
do município de Barueri, Alexandre de Lorenzi frisa, no entanto, que a
legislação contestada pela Prefeitura de São Paulo não trata de redução de base
de cálculo do ISS. "Nós trabalhamos com a tese de que estamos tributando
apenas aquilo que é relativo a serviço. Então não há redução. Tributos
federais, pela natureza que têm, não devem fazer parte do cálculo",
afirma.
Ele
destaca ainda que o município enfrentou uma outra ação semelhante e a Justiça
também se manifestou em favor de Barueri. Trata-se, nesse caso, de uma arguição
de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), ajuizada pelo Distrito
Federal no STF. A ação teve como relator o ministro Marco Aurélio.
"Isso
mostra que a legislação está bem consolidada", diz Lorenzi. O procurador
acrescenta que esse tipo de disputa traz prejuízos para o sistema tributário.
"Em vez de todos convergirem para um imposto mais justo, estão brigando
pela mesma fatia do dinheiro."
Especialista
na área, Luís Alexandre Barbosa, sócio do escritório LBMF Sociedade de
Advogados, acompanha as discussões desde o início. Para ele, a prefeitura de
São Paulo pode ter "dado um tiro no próprio pé". O advogado diz que é
possível, a partir da manifestação do STF, que contribuintes da capital comecem
a buscar o Judiciário para tentar deduções semelhantes às previstas na lei do
município vizinho.
"A
discussão não se limita aos contribuintes de Barueri. O debate, agora, é sobre
a base efetiva do ISS", diz o advogado. Ele acrescenta que já foi
procurado por três empresas de São Paulo interessadas em ajuizar ação contra o
município. Nesses casos, a discussão seria sobre a inclusão dos tributos no
cálculo.
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