Por Laura
Ignacio e Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
Um
levantamento da FGV Direito SP sobre os julgamentos da 1ª Seção do Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), após a deflagração da Operação
Zelotes, mostra que 68% das decisões em 1.409 matérias apreciadas são
favoráveis ao Fisco.
A
1ª Seção julga recursos sobre IRPJ e CSLL, ou seja, os casos de valores mais
altos. Entre eles, estão temas como ágio, a dedutibilidade do juros sobre o
capital próprio (JCP) e a tributação dos lucros auferidos por coligadas e
controladas no exterior.
Os
contribuintes só obtiveram vitória em 32% dos casos. Foram excluídos os
resultados parciais e os recursos não conhecidos. A pesquisa, feita com base
nos acórdãos publicados de dezembro de 2015 até 30 de junho, também concluiu
que das 62 decisões definidas por voto de desempate o chamado voto de
qualidade, sempre de um representante do Fisco , 55 foram favoráveis à Fazenda
(96%).
Segundo
Cristiane Leme Ferreira, coordenadora do levantamento, o objetivo do estudo é
dar maior transparência ao Carf e, consequentemente, maior segurança jurídica
para as empresas fazerem planejamentos inclusive de investimentos com base
em jurisprudência do conselho. "Para as empresas, é importante usar dados
de análises sobre as matérias julgadas pelo Carf para decidir quando recorrer,
o que argumentar e saber o tamanho do risco de cada causa, já que trabalham com
contingência", diz.
As
sessões de julgamento do Carf ficaram suspensas entre março, quando foi
deflagrada a Operação Zelotes, e novembro de 2015. Tratase da investigação de
um esquema de corrupção no órgão, por meio da suposta compra de votos de
conselheiros. Depois disso, o regimento interno do órgão foi reestruturado,
assim como a composição das câmaras de julgamento. Como os representantes dos
contribuintes passaram a não poder mais advogar em processos tributários,
recebendo uma remuneração de R$ 11 mil, houve uma debandada de conselheiros do
órgão, até hoje incompleto.
O
presidente do Carf, Carlos Alberto Barreto, contesta a conclusão do estudo.
"As decisões hoje são mais favoráveis ao contribuinte, considerando todos
os acórdãos, das três seções de julgamentos, após a retomada dos julgamentos no
Carf", afirma. Sobre o volume de decisões por voto de qualidade, Barreto
alega que o crescimento é resultado de vários julgamentos em bloco de temas
repetitivos. E pelo fato de agora haver vários conselheiros novos, que pensam
diferente. "E, nesse caso, a tendência já era favorável à Fazenda."
Para
tentar resolver o problema das câmaras incompletas, que podem impactar a
paridade do conselho, o Carf tem feito constantes reuniões com as confederações
que representam os contribuintes. "Como o regimento permite o julgamento
com a maioria simples, metade mais um, se houver quatro conselheiros do Fisco e
apenas um dos contribuintes para julgar, vamos julgar. Temos um acervo de 118
mil processos", afirma.
A
ProcuradoriaGeral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que não houve uma mudança
de orientação no Carf. "Não se verifica uma reversão de jurisprudência
importante", diz o procuradorchefe da Coordenadoria do Contencioso
Administrativo Tributário (Cocat), Moisés de Sousa Carvalho Pereira.
Para
o procurador, o Carf está julgando neste ano muito mais processos relevantes, e
de valor maior, do que fazia em anos anteriores. "E o voto de qualidade
aconteceu em menos de 5% dos processos analisados pela FGV. Ou seja, a maioria
absoluta dos casos não é definido por voto qualidade."
Porém,
os contribuintes começam a elaborar projetos de lei para tentar mudar a esfera
administrativa. Um deles já tramita no Congresso Nacional e trata da extinção
do voto de qualidade. O PL nº 6.064, de 2015, do deputado Carlos Bezerra
(PMDB/MT), propõe que nos casos de empate nas decisões do conselho seja
aplicada a interpretação mais favorável ao contribuinte. Nessas situações
excepcionais, a PGFN poderia entrar com ação judicial hoje não pode fazer
isso.
Uma
outra proposta legislativa foi elaborada pelo Movimento de Defesa da Advocacia
(MDA). Ela cria uma única instância de julgamento, composta só por funcionários
do Fisco, mas mantendo todos os direitos e garantias dos contribuintes como
defesa oral, jurisprudência acessível e pauta pública. Quando o contribuinte
fosse derrotado, haveria o direito à automática suspensão da exigibilidade do
débito (não seria exigida garantia) até que seja proferida a sentença judicial.
E as causas originadas no Carf seriam julgadas por varas especializadas.
"Hoje,
ocorre um uso indiscriminado do voto de qualidade em desfavor dos
contribuintes. Tem demorado até cinco anos para um processo administrativo
chegar ao fim e, depois disso, o contribuinte se vê na obrigação de apresentar
garantia para discutir na Justiça débitos impagáveis", afirma Marcelo
Knopfelmacher, presidente do conselho do MDA.
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