Por Laura Ignacio,
Joice Bacelo,
Lucas Marchesini e
Cristiane Bonfanti
Fonte: Valor Econômico
Parcelamento é vantajoso para empresas com prejuízo fiscal
e créditos tributários acumulados
Sem descontos de juros e multas, o Programa de
Regularização Tributária (PRT), divulgado ontem por meio da Medida Provisória
nº 766, deverá atrair um grupo restrito de empresas. São basicamente, segundo
especialistas, companhias com prejuízo fiscal, alto volume de créditos
acumulados de tributos administrados pela Receita Federal como PIS e Cofins
e as que não confiam em vitória em alguma discussão
judicial.
A arrecadação não será tão expressiva
perto do volume de débitos inscritos ou não na dívida ativa. A expectativa é
de cerca de R$ 10 bilhões. Apenas da Receita Federal há
R$ 184 bilhões “cobráveis”, segundo o secretário Jorge Rachid. Além disso, há
cerca de R$ 900 bilhões em discussão na esfera administrativa. E uma dívida
ativa de R$ 1,7 trilhão.
“O contribuinte vai fazer análise,
exame de muitos critérios”, afirmou ontem Rachid. Ele reiterou que o programa
não é um Refis, já que não reduz multas e juros. “É
pagamento integral. Permite regularização, mas de uma forma que não implique desrespeito
a quem cumpriu obrigação.”
Rachid lembrou que tanto a MP quanto
a regulamentação a ser publicada pela Receita Federal, prevista até 1º de
fevereiro, tem vigência imediata e o contribuinte terá certidão positiva com
efeito negativa ao aderir ao PRT. Questionado sobre possíveis mudanças que o
Congresso pode fazer no programa, que já é alvo de críticas (veja abaixo), o
secretário respondeu que só terão validade após a sanção da lei.
De acordo com advogados, o
parcelamento beneficiaria especialmente empresas como a Petrobras, as que atuam
nas áreas de consumo e construção civil e as impactadas
pela Operação LavaJato. Para quem está fora do círculo de empresas que
costumam ter prejuízo fiscal, a exemplo das que têm coligadas ou controladas no
exterior, e também não está entre as que acumulam créditos tributários, como as
grandes exportadoras, o que mais deverá atrair no PRT, segundo tributaristas, é
o parcelamento mais longo, em até 120 meses.
O programa permite o parcelamento de
débitos de tributos administrados pela Receita Federal ou inscritos na dívida
ativa, cobrados pela ProcuradoriaGeral da Fazenda Nacional (PGFN), vencidos
até 30 de novembro de 2016. Há, entretanto, diferenças entre as duas situações.
Para as dívidas não inscritas na
dívida ativa, além de poder parcelar em até 120 vezes porém sem nenhum
benefício, o programa prevê o pagamento de uma entrada de 20% à vista e
quitação do restante com prejuízo fiscal e base negativa de CSLL ou créditos
tributários acumulados. Ou ainda o pagamento de uma entrada de 24%, dividida em
24 meses, e parcelamento do saldo em até 60 meses.
Quanto a débitos já incluídos na
dívida ativa, só é possível pagar 20% à vista e o restante em até 96 prestações
ou quitar a dívida em até 120 parcelas escalonadas. Nesse caso, não é possível
usar prejuízo fiscal, base negativa de CSLL ou créditos tributários acumulados.
Além disso, o depósito judicial vinculado ao débito incluído no programa será
automaticamente convertido em renda da União. Só se houver saldo após a
quitação, ele poderá ser sacado.
Para o advogado Roberto Quiroga, do
Mattos Filho Advogados, a principal crítica é não haver descontos nem para
juros nem para multa. “Temos os maiores
juros do mundo. Se uma empresa ficou cinco anos com um débito tributário, os
juros chegam a 200%”, disse.
Sobre o parcelamento no âmbito da
PGFN, Quiroga é taxativo. “Para empresas que discutem as grandes teses
tributárias como as relacionadas a ágio, trava de 30%, juros sobre capital
próprio, preço de transferência e tributação de lucro no exterior, é difícil
que prefiram parcelar nos termos do PRT. As exceções são teses fracas como a
referente a ágio interno.”
O advogado Luiz Rogério Sawaya, do
escritório Nunes e Sawaya Advogados, acredita que o volume de adesões será
baixíssimo. Principalmente pelo fato de o contribuinte não poder usar prejuízo
fiscal para quitar débitos já inscritos em dívida ativa, que, segundo ele, é o
mais comum. “Quando está todo mundo endividado, o que as empresas fazem, na
maioria das vezes, é declarar e não pagar. E quando ela declara e não paga, o
débito vai direto para a inscrição em dívida ativa”, afirmou.
Para Sawaya, o tratamento
diferenciado aos débitos no âmbito da Receita e no da PGFN é algo inédito e
bastante discutível. “Na minha opinião, isso é uma sanção política. Indireta,
mas é porque o governo está criando uma diferenciação entre órgãos da própria
União. Não vejo a possibilidade de isso ser mantido na conversão da lei.”
Já o tributarista Marcelo Annunziata,
do escritório Demarest, entende que mesmo a possibilidade de uso de prejuízo
fiscal aos débitos não inscritos em dívida
ativa pode acarretar em “problemas práticos”. Ele cita o exemplo de clientes
da banca que aderiram ao Refis da Copa, em 2014, que também
admitiu o uso de prejuízo e base negativa de CSLL para liquidar dívidas tributárias. Segundo o advogado, há uma grande parte de
contribuintes que até hoje, três anos depois de aderirem ao programa, ainda não
teve os seus prejuízos analisados pela Receita Federal.
“Em função disso, o débito permanece
constando. E o contribuinte, nesses casos, é obrigado a arcar com encargos
pesados porque tem que manter a garantia”, disse. “Na prática, foram poucos os
casos que tiveram a homologação desses prejuízos fiscais”, completou
Annunziata.
Especialista na área, Fabio Calcini,
do Brasil Salomão & Matthes Advocacia, também faz críticas à MP. Para ele,
diante do cenário econômico atual, o programa deixou muito a desejar. “Pela
quantidade de parcelas já que chegouse a cogitar 240. E porque para a maioria
das empresas em dificuldade financeira, será difícil conseguir pagar 20% à
vista para poder usar o crédito acumulado e o prejuízo fiscal”, disse.
Segundo a Receita Federal, se a
dívida de IR for de R$ 100 milhões, por exemplo, e o contribuinte tem prejuízo
fiscal de R$ 100 milhões, aplicase sobre o prejuízo a alíquota de
25% de IR e a empresa poderá abater R$ 25 milhões de prejuízo
fiscal. “Se ele tiver liquidez para pagar no mínimo
20%, ele vai pagar R$ 20 milhões à vista e vão restar R$ 80 milhões. Sobrará a
diferença de R$ 55 milhões, que poderá ser parcelada em 60 meses”, explicou o
secretário da Receita Federal Rachid.
Apesar de elogiar a possibilidade de
uso de créditos tributários acumulados e prejuízo fiscal, o advogado Diego
Miguita, do escritório Vaz Barreto Shingaki & Oioli
Advogados, chama a atenção para o fato de que a adesão ao PRT implica
o dever de pagar regularmente não só o parcelamento
como todos os tributos vencidos após 30 de novembro de
2016. “Todos os débitos ordinários e correntes deverão
estar em dia sob o risco de exclusão do programa”, disse.
O fato de a concessão de medida
cautelar fiscal, instrumento cada vez mais usado pela PGFN, também implicar
em exclusão do devedor do PRT é outro componente perigoso para o
contribuinte que aderir ao PRT. “Isso porque a medida cautelar é precária e
geralmente derrubada pelas empresas na Justiça. Mas, se excluída, será cobrado
o valor original do débito, com os acréscimos legais, deduzindo só os valores
já pagos.”
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