Por Eduardo M. Barreto e Philippe André Rocha Gail (*)
Fonte: Valor Econômico
Aquilo que à
primeira vista poderia ser encarado como uma medida de justiça fiscal, benéfica
aos contribuintes, é na realidade uma faca de dois gumes, na medida em que o
Fisco igualmente passa a ser titular do direito de exigir a complementação do
imposto
Conforme amplamente divulgado pela
mídia, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalmente pôs termo a uma discussão
que se arrastava há anos e que possui enorme relevância para a maioria das
cadeias de produção/comercialização de mercadorias oneradas pelo ICMS no
Brasil.
Ao julgar o recurso extraordinário RE 593.849/MG, aviado pela empresa comercial de combustíveis e lubrificantes
Parati Petróleo em face de decisão desfavorável do TJ-MG e no qual foi
reconhecida a repercussão geral, o Plenário do STF acabou por decidir, por
maioria dos ministros (7 votos a 3), que "é devida a restituição do ICMS
pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de
cálculo efetiva da operação for inferior à presumida".
Mais do que representar uma guinada
radical no entendimento jurisprudencial até então prevalente, a referida
decisão coloca em xeque toda a lógica e, por conseguinte, a própria razão de
ser da sistemática da substituição tributária progressiva (ou "para
frente"), como se verá a seguir.
Aquilo que à primeira vista poderia
ser visto como medida de justiça fiscal, benéfica aos contribuintes, é uma faca
de dois gumes
Ainda que a atribuição de
responsabilidade pelo recolhimento do imposto a terceiros que não o próprio
contribuinte remonte aos anos 60 do século passado, época em que vieram a lume
os artigos 121 e 128 do Código Tributário Nacional (CTN) e o Decreto-lei nº
406/68, foi somente nos anos 1990, quando adveio a Emenda Constitucional nº
03/93, que os Estados passaram a lançar mão dessa "ferramenta" arrecadatória.
A substituição tributária para frente
foi pensada a princípio como uma forma de racionalização e otimização da
cobrança do ICMS em segmentos em que a cadeia econômica é muito pulverizada. Na
prática, consiste em atribuir a responsabilidade pelo recolhimento de todo o
ICMS incidente em uma cadeia plurifásica a um só sujeito passivo situado no
início da etapa produtiva, via de regra o fabricante ou o importador.
Com isso, o Fisco teria o condão de,
a um só tempo, coibir a sonegação e reduzir drasticamente seu esforço
fiscalizatório, posto que concentrado num universo reduzido de contribuintes.
Desde então, todavia, o que se tem
visto é um constante e progressivo desvirtuamento do instituto da substituição
tributária.
Se no início apenas alguns segmentos
de atividades econômicas estavam abrangidos pela sistemática, hoje em dia são
raros aqueles que não se sujeitam a ela, haja vista sua total banalização.
Além disso, o entendimento
jurisprudencial que até então se emprestava ao §7º do artigo 150 da
Constituição Federal admitia o direito à restituição do imposto pago
antecipadamente sempre que o fato gerador presumido não se verificasse na
prática, não sendo possível, outrossim, a recuperação dos valores pagos a maior
nas hipóteses em que o fato gerador efetivamente ocorresse, ainda que de forma
distinta à presumida na etapa inicial do ciclo econômico da mercadoria.
Com a recente mudança de
posicionamento, o STF passa agora a admitir que o fato gerador presumido não é
mais definitivo, fazendo jus o contribuinte substituído à devolução dos
montantes recolhidos a maior pelo substituto (e a ele repassados indevidamente
via preço).
Aquilo que à primeira vista poderia
ser encarado como uma medida de justiça fiscal e bastante benéfica aos
contribuintes, é na realidade "uma faca de dois gumes", na medida em
que o Fisco igualmente passa a ser titular do direito de exigir a
complementação do imposto nas hipóteses em que o fato gerador presumido
resultar em montante inferior ao efetivamente praticado ao cabo da cadeia de consumo.
Essa prerrogativa do Fisco de exigir
a diferença, somada às hipóteses em que o próprio contribuinte pretender fazer
valer seu direito à restituição do imposto que lhe tenha sido retido (e
repassado) a maior, certamente acarretará um recrudescimento na fiscalização,
no contencioso e na burocratização, com efeitos deletérios para os
contribuintes e para a própria administração pública.
Explica-se: ao se atribuir
consequências jurídicas e econômicas para o contraste numérico entre o fato
gerador presumido e o realizado, o esforço fiscalizatório passará a se dar nas
duas pontas da cadeia, qual seja, a etapa de produção e a etapa de consumo, o
que requer, (i) do lado do Fisco, um maior contingente de auditores fiscais
e/ou um aparato tecnológico mais robusto e eficiente, onerando a máquina
estatal, e (ii) do lado dos contribuintes, mais obrigações acessórias (a
exemplo da via crucis documental prevista na Portaria CAT 17/99 do Estado de
São Paulo) e um maior controle gerencial, o que em última análise representa um
inoportuno acréscimo nos assim chamados "custos de conformidade".
Como se vê, fica completamente
esvaziada de sentido a substituição tributária, haja vista ter sido idealizado
esse instituto justamente para mitigar o custo e o esforço fiscalizatório.
Há de se aguardar ainda a reação dos
Estados quanto ao supracitado acórdão do STF, mas é certo que a substituição
tributária para frente acabou de se credenciar à condição de pauta da
verdadeira reforma tributária, tão reclamada por aqueles que pretendem um sistema
mais justo e racional.
(*) Eduardo Monteiro Barreto e Philippe André Rocha Gail são,
respectivamente, sócios-diretores do escritório Falcon, Gail, Barreto e
Sluiuzas Advocacia Empresarial
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