quinta-feira, 4 de agosto de 2016

ISS sobre exportação de serviços



Por Camila Tapias e Verônica Magalhães da Silva

Não se pode admitir que a voracidade arrecadatória possa esvaziar e extrapolar a Lei Complementar nº 116/2003

Assim como ocorre atualmente com os demais entes da Federação, os municípios estão empenhados em aumentar suas receitas via arrecadação de impostos, especialmente por meio do ISS. Conforme dados disponibilizados pela Receita Federal, em sua análise anual da carga tributária nacional, a arrecadação municipal teve aumento contínuo de 1 ponto percentual desde 2005.

Logo, quando um grande município institui novos entendimentos ou obrigações tendentes a incrementar a arrecadação, tais estratégias são adotadas pelos demais.

É o que ocorreu, por exemplo, com a obrigatoriedade de cadastro das empresas domiciliadas em um município e que prestam serviço para tomador domiciliado em outro, nomeado de Cadastro de Prestadores de Serviço Domiciliados em Outros Munícipios (CPOM) em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte.

É imprescindível considerar qualquer movimento municipal que, sob a escusa de aumentar a qualquer custo a arrecadação, afaste direitos fundamentais dos contribuintes garantidos pela legislação. A medida mais recente nesse sentido foi o Parecer Normativo nº 02/2016, publicado em 26/04/2016 pela Prefeitura Municipal de São Paulo, o qual tratou de questões atinentes à incidência do imposto em determinadas exportações de serviços.

A controvérsia sobre o conceito de "resultado" para fins de configuração da exportação de serviços não é nova e, desde 2003, muito se discute acerca do alcance do artigo 2º da Lei Complementar nº 116, que prevê não incidir ISS sobre as exportações de serviços para o exterior, exceto se o resultado do serviço for verificado no Brasil.

Na tentativa de solucionar essa celeuma, o parecer houve por bem igualar o conceito de "resultado" ao "local de realização do serviço", afirmando ser "irrelevante que eventuais benefícios ou decorrências oriundas dessa atividade sejam fruídos ou verificados no exterior ou por residente no exterior".

Ocorre que a própria Lei Complementar nº 116/2003 diferencia o local onde os serviços são "desenvolvidos" do local onde se verifica o respectivo "resultado", ao afirmar que: "não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior". A definição de "resultado", de acordo com o Dicionário Michaelis, é: "1 Ação ou efeito de resultar. 2 O que resultou ou resulta de alguma coisa; consequência, efeito, produto; fim, termo. (...)". Por sua vez, "serviço (...) é, tão-­somente, o resultado da prestação" e "'prestar' possui o conteúdo semântico (...) de '...propiciar (algo) a (quem precisa) (...) realizar (algo) para (alguém)'...ou ainda, servir".

Portanto, para fins tributários, a pedra basilar da prestação de serviços é a satisfação daquele que contratou a execução de tais serviços, sendo que, no momento em que o tomador se vê satisfeito, pode­-se dizer que ele verificou o resultado do esforço do prestador.

Com base nessa linha de raciocínio, a própria municipalidade de São Paulo já se manifestara, por meio da Solução de Consulta SF/DEJUG nº 12, de 07 de maio de 2014, emitida pela Secretaria de Finanças do município de São Paulo, no sentido de que "para que haja a exportação de determinado serviço é necessário que todo o resultado, o benefício ou o aproveitamento da prestação deste serviço ocorra em território estrangeiro".

Contudo, caso a drástica mudança de entendimento do Fisco municipal paulistano seja seguida pelos demais municípios, a equalização de "resultado" ao local de realização da atividade, na prática, esvaziaria a efetiva configuração de exportações de serviços prevista na Lei Complementar nº 116/2003, pois (i) ou a atividade será realizada no Brasil e, portanto, submetida ao ISS, (ii) ou será realizada em território estrangeiro, havendo tão somente a prestação de serviços fora do território nacional.

Ocorre que a regulamentação ou interpretação jamais pode extrapolar o conteúdo da lei regulamentada/interpretada a ponto de criar nova obrigação aos jurisdicionados. Em suma, a regulamentação deve apenas detalhar a lei de forma tal que possibilite sua aplicação no mundo concreto, sem jamais afastar o conteúdo legal de sua aplicação no mundo fenomênico.

Neste contexto, não se pode admitir que a voracidade arrecadatória, cujo campo de visão se limita ao aumento de receitas de forma imediata, sem considerar as consequências econômicas e tampouco as ilegalidades perpetradas, possa esvaziar e extrapolar o conteúdo da Lei Complementar nº 116/2003 no que concerne à exportação de serviços.

Desse modo, o conceito trazido pelo Parecer Normativo 02/2016 é flagrantemente ilegal, seja por extrapolar a Lei Complementar 116/2003, seja porque traz grande instabilidade e insegurança jurídica às relações entre o Fisco e os contribuintes, seja porque, caso adotado pelos demais Fiscos Municipais, impedirá cada vez mais o desenvolvimento brasileiro no âmbito internacional.

A esse respeito, de acordo com o Panorama do Comércio Internacional, publicado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com dados de 2014, a balança comercial de serviços brasileira ficou negativa em R$47,23 bilhões. Ademais, os países do Mercosul têm participação ínfima na exportação de serviços, no percentual de apenas 1,2%, enquanto a União Europeia detém 44,3% do mercado internacional.

Ou seja, eventual tentativa de tributar e burocratizar as exportações de serviços, em um cenário de crise econômica, além de ser um desserviço à recuperação das já combalidas empresas brasileiras, apenas impede a decolagem do Brasil na arena internacional.

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