Fonte: Carta Capital
Os números divulgados escondem os privilégios e a desordem no sistema
brasileiro de cobrança de impostos
A chamada “carga tributária” do
Brasil gira nos últimos meses entre 32% e 33%, apesar de que muitos veículos
divulgam percentuais maiores.
Para que serve a carga, além de
fundamentar as reclamações de que pagamos tributos demais? Como essa informação
ajuda no design de melhores políticas públicas?
Muito pouco. A carga tributária
confunde muito mais do que agrega informação útil. Ela significa o percentual
do valor arrecadado pelos três entes federativos em relação ao Produto Interno
Bruto (PIB) do país. Mas, e daí?
O PIB vem sendo criticado há muito
tempo pelos maiores economistas do mundo e perde, cada vez mais, seu espaço
como medidor de progresso, pois revela, a rigor, quanto estamos queimando no
país, quanto estamos produzindo e consumindo, não apreendendo se, de fato, os
seres humanos estão vivendo melhor.
O PIB pode aumentar e a imensa
maioria das pessoas estar piorando de vida, como já aconteceu em boa parte da
história do Brasil. Isso acontece pois ele não considera a distribuição de
riqueza e renda, assim como os efeitos da economia no meio ambiente, não
apreende tão bem a informalidade e aqueles que vivem para ajudar alguém, não
considera a qualidade das políticas e serviços públicos etc.
Percebendo isso, há pelo menos 25
anos, o vencedor do Prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, e outros estudiosos
investiram na criação de um novo índice que pudesse medir, de fato, o
desenvolvimento humano, o que resultou no Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), que ganhou relevância nos países desenvolvidos. Recentemente, também
começa a se falar no Índice de Progresso Social (IPS).
Deste modo, o PIB, tomado
isoladamente, serve para pouca coisa. Se a carga tributária é a participação da
arrecadação no PIB, ela também serve para muito pouco, se não for
inter-relacionada com diversos outros fatores.
A arrecadação reflete as receitas
tributárias em dado período nos três entes federativos. Normalmente, não se
fala em quanto cada ente está arrecadando, o que nos impede de compreender
quanto, realmente, aumentou a arrecadação da União, de cada estado e de cada um
dos municípios.
A culpa da carga tributária é, quase
sempre, toda atribuída à União, mas o cálculo dela envolve todos os entes.
Isso, aliás, é comum na sociedade brasileira, que compreende pouco a
distribuição de competências e a falta de equilíbrio financeiro entre os entes
federativos.
Outro problema é que a arrecadação
simplesmente não revela a carga tributária. A carga deveria refletir o peso
imposto pelo Estado sobre os cidadãos. Em países mais desenvolvidos, que
costumam ter sistemas mais simples, com menos sonegação e menos contencioso, a
arrecadação é mais próxima da carga tributária. No caso do Brasil, a diferença
é abissal.
A tributação brasileira é
completamente desordenada e repleta de privilégios, de modo que a carga varia
muito a depender da classe social, do setor, do bem ou do serviço vendido.
Então, se não houver análise segundo esses critérios mencionados, a carga não
informa nada relevante.
Estudos sobre a distribuição da carga
tributária demonstram que ela é extremamente regressiva no Brasil, indo em
caminho oposto ao que sugerem a literatura e as práticas estrangeiras.
A carga é, às vezes, maior do que 50%
sobre pessoas mais pobres, que têm renda muito pequena e pagam muitos tributos
embutidos nos preços dos produtos, enquanto que é, muitas vezes, menor do que
10% no caso dos muito ricos. Para que serve, então, a tal carga divulgada de
forma errada quase diariamente pelos meios de imprensa de 35% ou 36%?
É preciso considerar que há imensa
renda brasileira evadida para o exterior e recebida diretamente lá, além de que
é muito difícil medir o peso da tributação do consumo, pois ela tem efeitos
espirais, que se iniciam desde bens básicos, consumidos por quase todos, como a
energia elétrica.
O Brasil é um dos países onde mais se
sonega tributos no mundo, algo tão impregnado na sua cultura que chega a ser
aceito moralmente por boa parte da sociedade. A verdadeira carga, o peso,
aquilo que é cobrado dos cidadãos brasileiros, é um resultado de arrecadação
mais sonegação, e não somente da primeira.
O problema é que, quanto mais se
cobra, mais se sonega; e, quanto mais se sonega, mais se cobra.
Sem considerar aquilo que se sonega,
não se percebe que o Brasil, na verdade, é o país que mais cobra tributos no
mundo, em quantidade e em carga, porém, como o sistema é horrível, ele afaga a
plutocracia, detona a classe média e os mais pobres, mas prejudicando todos,
pois, se todas as classes não estiverem indo bem, as empresas irão mal e,
assim, a economia trava.
Além de muito mais alta do que se
pensa, a carga é alta demais no consumo e baixa no patrimônio (riqueza) e na
renda. Se fosse mais progressiva, nem seria preciso falar em Imposto sobre
Grandes Fortunas e o aumento de arrecadação compensaria imprescindíveis
reduções drásticas na tributação do consumo.
Mais importante do que um percentual
genérico de carga tributária, é preciso compreender os desequilíbrios
brasileiros. A carga acaba servindo como uma cortina de fumaça para alegações
genéricas e interessadas a respeito da necessidade de diminuir tributos e
cortar despesas.
Os problemas não são assim: simples e
mecânicos. Não se trata apenas de aumentar ou reduzir tributos ou despesas. Não
se evolui olhando como um modelo hidráulico de “coloca ou tira”.
Esse é, aliás, um erro comum em
países com menos conhecimento e prática avançados em políticas públicas: o de
acreditar num poder que a tributação não tem de realizar diversos fins por seu
mero aumento ou redução.
É preciso saber onde colocar e de
onde tirar, e isso apenas pode ser compreendido com dados melhores, que mostrem
quanto é cobrado por cada ente da federação, quanto se sonega, quanto recai
sobre cada classe, cada setor, cada bem ou serviço.
É preciso saber quanto é o “peso
morto da tributação”, ou seja, qual a diferença entre o que se arrecada e o
que, de fato, é utilizado depois pelo bem da população, pois a administração
tributária brasileira gasta demais e gera muito contencioso, respingando gastos
excessivos para Procuradorias, órgãos administrativos de julgamento e
Judiciário. A corrupção, sem dúvida, é também um problema grave.
Os países com melhores políticas
públicas do mundo costumam ser aqueles com melhores IDH e IPS. Cruzando esses
índices com o PIB, percebe-se que não há uma relação tão próxima entre PIB e
melhoria de vida da população, e o Brasil é a maior prova disso no mundo.
É importante o PIB crescer, mas os
aumentos não precisam ser enormes e eles, por si só, não refletem uma melhoria
de vida para as pessoas, nem muito menos significam que haverá sustentabilidade
nesse crescimento.
As conclusões para as políticas
públicas são, então, as seguintes:
– Avaliações constantes, que não são
feitas no Brasil, ou são mal feitas. É preciso utilizar os índices corretos, um
maior número deles e cruzá-los com o uso de um conhecimento avançado, para que
não se crie problemas falsos e para que não se procure caminhos que sequer são
os mais adequados para o progresso do país.
– Combate à sonegação com muito mais
rigor e colocando pessoas, sobretudo os maiores sonegadores, na cadeia.
– Simplificar o sistema e reduzir
gastos de tempo e despesas para todos.
– Eliminar privilégios e tratar as
pessoas de forma linear, desigualando apenas por meio de uma fortíssima
progressividade e, raramente, com outros mecanismos para ajustar algum
desequilíbrio que seja muito grave para a economia.
Com uma boa reforma, é possível
reduzir a carga tributária, aumentar a arrecadação, favorecer a produção (PIB)
e redistribuir mais. Tudo ao mesmo tempo.
Para tanto, é preciso parar de cair
em engodos, passando a recorrer ao que há de mais desenvolvido na literatura e
nas práticas mundiais.
O futuro socioeconômico do Brasil
depende irremediavelmente de uma reforma completa da sua tributação.
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