Por Eduardo Fleury*
Fonte: Valor Econômico
Pesquisa realizada
pela Fenacon apurou que as empresas gastam 600 horas durante o ano para
“preencher e entregar todos os formulários necessários”. Mas o que causa prejuízo é instabilidade das
regras geradas por um sistema complexo e irracional
Recentemente a Receita Federal
encomendou pesquisa à Fenacon com o objetivo de calcular quanto tempo demoraria
para preencher e entregar todos as declarações necessárias ao pagamento dos
tributos no país. O objetivo da Receita Federal seria contrapor a pesquisa
realizada pelo Banco Mundial, “Doing Business”, onde consta que uma empresa
brasileira gastaria 2.600 horas por ano para preparar, preencher e pagar os
tributos.
A Fenacon apurou que as empresas
gastam 600 horas durante o ano para “preencher e entregar todos os formulários
necessários”. Considerando a informação disponível, o estudo da Fenacon/Receita
Federal parece ter errado a mão visto que não considerou a etapa de preparação
dos dados que, normalmente, toma muito mais tempo do que o preenchimento das
declarações.
No entanto, por mais inacreditável
que possa parecer, não é este custo, seja de 600 horas ou de 2.600 horas, que
causa o maior prejuízo às empresas brasileiras, mas sim a instabilidade das
regras e as incertezas geradas por um sistema complexo e irracional.
Um exemplo desta loucura tributária
pode ser achado no caso ocorrido recentemente no Brasil onde a Justiça
brasileira analisou a tributação da farinha de rosca pelo PIS/Cofins. Ao final,
o STJ decidiu que a isenção de PIS e Cofins sobre produtos da cesta básica não
se aplica à farinha de rosca. O mesmo favor fiscal se aplica à farinha de trigo
e ao pão, mas não à farinha de rosca. A propósito, farinha de rosca é, segundo
a tradição, pão moído ou, em Portugal, pão ralado. Explicando um pouco mais a
decisão, pão inteiro é isento, pão moído não. O pior de tudo, sob o ponto de
vista do direito tributário, o STJ parece ter razão, mas para este texto não
interessa o mérito da decisão.
Para dizer que farinha de trigo e pão
são isentos, mas pão ralado não, consumiram-se pelo menos três anos. Do ponto
de vista de recursos aplicados tivemos um advogado contratado, a procuradoria
da Fazenda Nacional designou um procurador para cuidar do caso, vários
funcionários da Justiça Federal movimentaram o processo, muito papel foi gasto,
um Juiz de primeira instância leu todo o processo, ao menos dois
desembargadores do Tribunal Federal (relator e revisor) fizeram a mesma tarefa,
e por fim, os ministros do STJ gastaram seu precioso tempo discutindo as
distinções entre pão e pão moído. Ainda é difícil calcular o custo dos
processos judiciais no país, mas segundo o Ipea o processamento em primeira
instância de uma execução fiscal custava em 2011 cerca de R$ 4.685,39. Se
alguém achar que é pouco, lembre-se que em 2014 só a Justiça Federal recebeu
3.306.796 novos processos, segundo o CNJ.
No entanto, o que ocorre fora do
Judiciário é ainda pior para economia. Uma empresa padrão passa por várias
etapas buscando saber se o seu produto está sujeito ou não a um determinado
benefício fiscal. Após gastar algumas horas discutindo internamente, a empresa
irá contratar o parecer de um advogado que, pela natureza controversa do
assunto, pode afirmar que há possibilidade de êxito em eventual ação judicial
ou defesa em caso de autuação por parte da Receita Federal.
Cabe a empresa então decidir entre as
seguintes hipóteses: pode assumir que o produto é isento e correr o risco de
ser autuado pelas autoridades fiscais; pode fazer uma consulta formal à Receita
Federal e aguardar cerca de dois anos por uma resposta; ou entrar com uma ação
judicial buscando uma resposta final emitida pelo Judiciário.
Embora o padrão não seja tão
definido, é bastante provável que o fabricante de farinha de rosca menos
eficiente irá decidir por assumir o risco e utilizar o benefício fiscal,
enquanto que a empresa mais eficiente ingressará com medida judicial, mantendo
o pagamento dos impostos até decisão final do Judiciário. Este tipo de
distorção, onde a empresa mais eficiente perde espaço no mercado para aquela
menos eficiente em razão de questões fiscais é muito comum e atinge vários
setores.
Importante notar que não estamos
falando em sonegação, mas sim em questões de interpretação da legislação
tributária razoavelmente fundamentadas. Distorções como esta não se resolvem
com mais fiscalização por parte das autoridades fazendárias que, de resto,
mesmo que resolvesse, também custaria caro para o país.
Na Inglaterra um caso semelhante
ocorreu onde a questão era se a batata Pringles era batata ou não para fins de
isenção do VAT inglês. Pela sua excepcionalidade o fato foi tratado como
anedota pela imprensa europeia e americana. Ao contrário do caso inglês,
situações como esta ocorrem aos milhares no Brasil. Explicação para isso é
simples, basta dar uma olhada rápida na legislação e concluir que nosso sistema
é composto por um número infindável de “exceções” cuja a regra geral é quase
uma exceção.
Insegurança tributária faz com que os
investidores procurem outros países para investir. As horas gastas para
administrar os tributos pelas empresas representam apenas uma parte dos
prejuízos causados por um sistema que precisa ser urgentemente reformado.
Infelizmente políticos e sociedade ainda não compreenderam a dimensão dos
problemas gerados pelo nosso sistema tributário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Recurso exclusivo para assinantes do Blog Siga o Fisco
Para Consultoria, Palestras, Cursos, Treinamento, Entrevista e parcerias, envie através de mensagem e-mail, nome e contato.