Fonte: Valor
Econômico
Receita havia
considerado planejamento tributário de fabricante de produtos de madeira ilegal
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entendeu como lícita a estratégia de uma empresa para diminuir a carga tributária. Depois de segregar as atividades, a fabricante de produtos de madeira conseguiu reduzir o recolhimento de PIS e Cofins. O caso foi analisado pela 3ª Câmara da 2ª Turma do Carf.
Decisões
desse tipo são importantes para as empresas porque, segundo especialistas, a
Receita Federal tem um entendimento bastante restritivo sobre planejamento
tributário. Nos casos em que há redução de tributos, afirmam os advogados, é
comum a aplicação do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN). O
parágrafo único do dispositivo estabelece que a fiscalização pode desconstituir
atos ou negócios jurídicos feitos com a finalidade de dissimular a ocorrência
do fato gerador.
"Mas estamos falando de uma regra que não
é uma regra matemática. Não se pode aplicar o mesmo artigo a todos os casos
tendo como único balizador a redução de tributos", observa o professor de
direito tributário da Faculdade de Direito do Mackenzie e sócio do Medeiros
& Sahid Advogados, Edmundo Emerson Medeiros. "Essa decisão do Carf
mostra que as empresas podem sim adotar procedimentos, desde que sejam feitos
com transparência e dentro da lei", acrescenta.
Na
reestruturação analisada, toda a etapa de plantio e cultivo de eucalipto (a
matéria-prima dos produtos) foi transferida para uma nova empresa - constituída
pelos sócios da fabricante. Essa nova companhia passou a atuar de forma
autônoma no mercado e se tornou a fornecedora da empresa segregada.
A
Receita Federal entendeu, no entanto, que a companhia simulou a operação para
se beneficiar com a geração de créditos de PIS e Cofins e autuou a fabricante
em mais de R$ 160 milhões. Isso porque, segundo a fiscalização, não teria havido
a compra de matéria-prima, mas apenas a transferência de insumos dentro do
mesmo grupo econômico.
Relator
do caso, o conselheiro Walker Araujo afirmou, em seu voto, que não via, nos
autos, nenhum indício de ato simulado, destacando que as empresas têm sedes
diferentes e contabilidade e funcionários individualizados. Disse ainda que no
direito tributário é perfeitamente admissível ao contribuinte a utilização de
meios lícitos para economizar ou reduzir tributos.
"Para
obter o melhor resultado em uma economia instável e com altos índices de
tributação como a brasileira, um dos mais significativos instrumentos de que as
empresas dispõe, para que possam equacionar seus custos tributários (desde que
respeitada a legislação pertinente a cada tributo), é o planejamento
tributário", enfatizou o relator. Todos os demais conselheiros da turma
acompanharam o seu voto.
Especialista
na área, Luís Alexandre Barbosa, do escritório LBMF Sociedade de Advogados,
observa que reestrututações desse tipo costumam ser analisadas caso a caso no
Carf. "Por isso há decisões tanto favoráveis aos contribuintes como
contrárias."
Ele
cita um julgado desfavorável aos contribuintes que é considerado como um dos
mais emblemáticos. Envolve uma fabricante de calçados. A companhia permaneceu
como a responsável pela fabricação dos produtos e criou outras oito empresas
que ficariam responsáveis pela venda. Ela repassava os calçados a preço de
custo e as demais revendiam para o varejo a valores de mercado.
O
Carf considerou como simulação porque na teoria existiam, de fato, nove
empresas diferentes. Na prática, porém, elas tinham a mesma administração, os
mesmos funcionários e ocupavam o mesmo espaço físico.
"Os
julgadores têm alguns balizadores para verificar se a operação foi ou não
simulada. E o principal deles é justamente a divisão dessas empresas. É
essencial que elas desenvolvam as suas atividades separadamente", destaca
o tributarista Daniel Franco Clarke, do Siqueira Castro Advogados.
Para
o especialista Sandro Machado dos Reis, do Bichara Advogados, há ainda um outro
requisito importante: o propósito negocial da operação tem de ficar claro.
"Não pode ser uma mudança simples e tão somente para provocar economia
tributária", destaca.
Ele
chama a atenção para uma das primeiras decisões sobre o tema em favor dos
contribuintes. Foi em 2008, num caso envolvendo um estaleiro - a situação é
semelhante a da fabricante de produtos de madeira. A empresa, inicialmente,
fabricava, montava e vendia as embarcações. Depois da reestruturação, foi
dividida em duas: uma ficou responsável pela fabricação e a outra pela
montagem.
"Então
desde lá existe o entendimento de que não haveria simulação na hipótese de
desmembramento de uma empresa de forma a racionalizar as operações e diminuir a
carga tributária", observa Machado dos Reis.
Já
o advogado Marcelo Annunziata, do Demarest Advogados, destaca que a decisão
atual do Carf traz segurança às empresas. Isso porque ainda não se sabia qual
seria o posicionamento da nova composição sobre o tema. "Principalmente
considerando que observamos que o momento atual é pró-Fisco. Assuntos com
grande repercussão financeira estão sendo julgados, em geral, de forma
contrária ao contribuinte."
Procurada
pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou que, por
se tratar de matéria exclusivamente probatória, não houve interposição de
recurso à Câmara Superior do Carf.
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