sexta-feira, 1 de abril de 2016

Justiça afasta multas da Nota Fiscal Paulista


Apesar de ter recolhido imposto, empresa não lançou vendas no sistema

Uma empresa do setor de bebidas e alimentos conseguiu na Justiça suspender multas recebidas por não ter registrado vendas no sistema da Nota Fiscal Paulista - programa do governo de São Paulo que gera créditos aos consumidores. O estabelecimento estava sendo obrigado a pagar quase R$ 50 mil em decorrência de quatro notas que não foram lançadas. A decisão, em caráter liminar, é da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio Claro.

O número de autuações a empresas que cometeram esse mesmo erro, desde 2011, aproxima­-se dos 60 mil ­ o que, em arrecadação, representa cerca de R$ 80 milhões. São poucos os casos levados à Justiça e, segundo especialistas, este, em específico, chama a atenção pelas multas altíssimas que foram fixadas.

As quatro notas fiscais que deixaram de ser lançadas no sistema somam pouco mais de R$ 4 mil. Enquanto o valor que deveria ser pago em multa é 12 vezes maior. "Deve­-se destacar que a empresa recolheu o imposto. As multas são somente por não ter lançado as notas no sistema da Nota Fiscal Paulista", diz o representante da empresa no caso, o advogado Augusto Fauvel de Moraes, do escritório que leva o seu nome.

Sem o lançamento de uma nota, o consumidor não tem acesso ao crédito gerado pela compra. Esse acompanhamento é feito pelo site da Nota Fiscal Paulista. Por isso, uma autuação tem como base a queixa de um cliente, que percebe que uma nota não consta no sistema. Existe um campo específico para as reclamações na página do programa. O consumidor terá acesso, no entanto, somente se apresentar o documento fiscal objeto da reclamação.

A autuação é feita pelo Procon­SP em parceria com a Secretaria da Fazenda do Estado e a empresa tem prazo de 30 dias para se defender. Se a multa for mantida, o estabelecimento poderá desembolsar até 100 UFESPs (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo) ­ quantia referente, hoje, a R$ 2.355.

Esse valor é cobrado por cupom não lançado no sistema. Há desconto de 60% para quem pagar nos primeiros 30 dias. O estabelecimento que se recusar, no entanto, pode ter os débitos inscritos em dívida ativa e ver a sua dívida crescer ainda mais,

Foi o que aconteceu com a empresa do setor de alimentos e bebidas. Foram aplicadas duas multas de 800 UFESPs (R$ 18.840 em valores atuais cada), uma de 280 (R$ 6.594) e a outra de 200 UFESPs (R$ 4.701).

Ao conceder a antecipação de tutela (espécie de liminar), o juiz André Antonio da Silveira Alcantara, da Vara da Fazenda Pública de Rio Claro, destacou que houve "excesso de exação [cobrança], notadamente em vista dos valores atinentes a multa impingida". O magistrado suspendeu a exigibilidade do débito referente às quatro notas fiscais e determinou a expedição de certidão positiva de débito.

"Foram cobrados valores excessivos por uma suposta infração de baixíssima gravidade. Não houve dolo, não houve fraude e nenhum tipo de dano ao erário", afirma Fauvel. O advogado que representa a empresa entende ainda que a cobrança teve caráter confiscatório, prática vedada pela Constituição Federal.

Especialista na área, Aldo de Paula Junior, sócio do Azevedo Sette Advogados, destaca que já há posição do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que as multas punitivas não devem ultrapassar o valor máximo do imposto devido. Casos "meramente formais" ­ de erros de informação, por exemplo, que não envolvem o pagamento de imposto ­, no entanto, ainda não foram apreciados por tribunais superiores.

"Não há uma regra geral para todas as infrações porque são graduadas de acordo com o dano. O que temos visto é exatamente isso, juízes de primeira e segunda instância fixando valores conforme a gravidade das infrações", afirma. "Então, casos como o julgado, de uma operação de R$ 4 mil com multa de R$ 50 mil, sem que tenha havido falta de pagamento do imposto, são desproporcionais e não têm sentido.

" O tributarista Maucir Fregonesi Junior, do Siqueira Castro Advogados, diz que, de uma maneira geral, os casos de distorções ocorrem quando o cálculo da multa é feito sobre o valor da operação. E, segundo ele, o regulamento do ICMS paulista está cheio de situações desse tipo. O advogado detectou 24 hipóteses em que o cálculo da multa é feito sobre o valor da operação e não do imposto devido. Existem casos em que a multa chega a 50% do valor total.

"Comparando com o caso em questão, percebemos uma cobrança extremamente abusiva. A empresa pagou o imposto, então nem prejuízo houve ao Fisco", observa. O advogado exemplifica que em âmbito federal existem multas de até 225%, por casos graves ­ como fraude, simulação e obstrução da fiscalização ­, mas as quantias cobradas se relacionam sempre com o valor do imposto devido.

Procurada pelo Valor, a Procuradoria­ Geral do Estado informou que não se manifestará sobre o caso porque ainda não foi intimada da decisão.

Por Joice Bacelo
Fonte: Valor Econômico

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