Para o economista Fernando Rezende, os deputados
municipalizaram a política estadual ao se voltarem unicamente para as
microrregiões que concentram seus eleitorados
Os
estados acumularam um rombo de R$ 56 bilhões em suas contas do primeiro
semestre. Com exceções de Acre, Ceará, Maranhão, Alagoas, Minas Gerais,
Pernambuco e Rio Grande do Sul, todos os demais fecharam no vermelho a primeira
metade do ano.
Há
vários culpados por essa situação, que remonta à Constituição em 1988, quando
se discutiu a redistribuição das receitas, mas foi ignorada a redistribuição
dos novos encargos sociais criados pelos Constituintes. É possível apontar
culpados mais recentes, como as desonerações fiscais da União, que refletiu na
diminuição das transferências entre os demais entes federativos.
A
verdade é que nesse meio tempo os estados perderam representatividade no plano
nacional. “O que os governadores decidem de relevante em seus estados? Não
decidem nem mesmo sobre os seus orçamentos”, disse o economista Fernando
Rezende, em palestra realizada no Conselho de Altos Estudos de Finanças e
Tributação (Caeft), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
Hoje
há grande centralização do poder econômico no plano federal, e dificilmente
essa realidade irá mudar com reformas pontuais.
Para
Rezende, seria necessária uma reforma do modelo federativo, algo que envolveria
um regime tributário que permita repartir as competências de cada ente que
arrecada com um sistema de transferência que equilibre a distribuição das
receitas. “Esse modelo deveria incentivar a cooperação entre as unidades da
federação na gestão das políticas que são de interesse da população”, disse o
economista.
A
PEC do teto, que até tem potencial para provocar essa discussão, deixou para o
futuro questões essenciais. “A PEC não vincula os entes subnacionais (estados e
municípios), não trata de acordos de transferência de recursos da repatriação,
ou seja, não coloca o dedo na ferida”, afirmou Fernando Facury Scaff, professor
de direito financeiro na USP.
Para
Scaff, o caminho da reforma do modelo federativo tem de ser político. O que não
traz muito alento. Os estados estão desamparados no âmbito do legislativo. No
meio acadêmico hoje se discute a chamada “municipalização da política
estadual”.
Segundo
Rezende, os deputados estaduais montam suas estratégias políticas com base nas
microrregiões que concentram a maior parte dos seus eleitores. Ou seja, eles
trabalham com o foco nos municípios que lhes garantem mais votos. “Nesse processo,
a agenda dos estados na política nacional foi ficando de fora”, disse o
economista.
A
falta de uma agenda legislativa comum entre os representantes estaduais e a
omissão da União nas políticas de desenvolvimento regionais contribuiu para a
crise dos estados. A arma dos governadores para enfrentar essa falta de
representatividade é o ICMS.
Desencadearam
a guerra fiscal, reduzindo a base de cálculo desse imposto na tentativa de
atrair empresas para suas regiões. Evidentemente o ideal seria chamar a atenção
desses investidores por meio de infraestrutura adequada ou mão de obra
qualificada. “Mas os estados não têm poder sobre os seus orçamentos. Restou
então a caneta para dar incentivos”, disse Rezende.
Desde
então passou a ser complicado existir um entendimento entre os governadores “A
guerra fiscal é um problema de posicionamento político mais do que econômico. E
não há ambiente político para se falar em uma reforma do ICMS que federalize
este imposto”, disse Scaff.
De
qualquer modo, a briga pelo ICMS parece ser inglória. A base desse imposto vem
sendo erodida pelo advento de novas tecnologias, principalmente no âmbito das
comunicações, energia e combustíveis.
A
base do ICMS também diminuiu à medida que o governo federal passou a criar as
contribuições para o Pis/Cofins. Não é à toa que hoje a arrecadação do ICMS, em
percentual do PIB, é a mesma que na década de 1970, quando não entravam no seu
cálculo nem energia, nem combustíveis nem comunicação.
Individualmente,
será difícil aos estados saírem do buraco fiscal no qual se encontram.
Provavelmente, se eles se concentrarem em interesses nacionais comuns, ainda
que as diferenças regionais sejam respeitadas, possam construir um caminho
melhor. O que é, afinal, a base de uma federação.
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