Por Joice Bacelo
Fonte: Valor Econômico
Uma
sociedade formada por profissionais de engenharia e arquitetura conseguiu
reverter, na Justiça, o enquadramento definido pelo Fisco de São Paulo para
fins de recolhimento do Imposto sobre Serviços (ISS). O município havia
alterado o regime de tributação da companhia no começo do ano. Ela deixou de
ser considerada como sociedade simples e passou a ter o imposto cobrado nos
mesmos moldes de uma empresa comum.
A
diferença do recolhimento de um regime para o outro, no caso julgado, é de
quase R$ 300 mil. Isso porque como sociedade simples – nos termos do
Decreto-Lei nº 406, de 1968 – ela tinha de recolher uma quantia fixa
(estabelecida em tabela) para cada sócio. Equivalia a pouco mais de R$ 200 por
profissional a cada trimestre. Já no regime comum, passou a ter de repassar um
percentual sobre os valores das notas fiscais emitidas. No caso, 5% sobre o
total dos serviços prestados.
A
decisão que cancelou a alteração feita pelo Fisco foi proferida, em caráter
liminar, pela 3ª Vara de Fazenda Pública. O mesmo juiz, Fausto José Martins
Seabra, determinou ainda – por meio de um mandado de segurança impetrado pela
sociedade – o desbloqueio do sistema eletrônico de emissão das notas fiscais da
companhia. Ela teve o acesso suspenso pelo município, após a mudança do regime
de tributação, sob a justificativa de inadimplência.
"A
supressão da emissão de nota fiscal eletrônica pelo prestador de serviços e a
transferência dessa atividade para o tomador, por conta de débitos do primeiro,
representa instrumento de coerção que só a lei em sentido estrito poderia
autorizar", afirmou o juiz em sua decisão.
Representante
da sociedade de engenharia e arquitetura no caso, o advogado Marcus Vinicius
Gonçalves, do escritório Bertolucci & Ramos Gonçalves, alega que o
desenquadramento foi feito de forma arbitrária pelo Fisco paulistano e que o
sistema eletrônico foi bloqueado sem que a sociedade tivesse sido comunicada.
Para
reverter a situação, ele usou como argumento, no processo, o artigo 9º do
decreto de 1968. No parágrafo 3º consta que serviços prestados por sociedade de
pessoas com profissões regulamentadas estão sujeitas à sistemática diferenciada
de tributação. A norma tem uma lista anexa, que trata desses profissionais.
"Os profissionais, sócios da autora [sociedade], desempenham os serviços
inseridos no item 89 da lista anexa ao decreto", afirma o advogado.
Especialista
na área, o advogado Abel Amaro, sócio do escritório Veirano, lembra que os
municípios tentam reverter o enquadramento das sociedades de profissionais
desde a mudança na lei do ISS, em 2003. Alguns chegaram a modificar as
legislações, impondo a sistemática que prevê recolhimento comum tanto às
empresas como às sociedades simples. "Mas o STF [Supremo Tribunal Federal]
barrou isso porque há um decreto ainda vigente. Essa questão foi
sumulada", afirma. A súmula é a de nº 663.
Os
municípios passaram, então, a tentar descaracterizar o conceito das sociedades
profissionais. Uma das teses aplicadas, segundo Amaro, tem como base o artigo
966 do Código Civil. O dispositivo descreve a figura do empresário. Trata como
"quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou circulação de bens ou de serviços".
A
tese costuma ser utilizada nos casos em que as sociedades são formadas por
pessoas de profissões diferentes – como advogados e contadores, por exemplo, ou
arquitetos e engenheiros (como no caso em análise pelo TJ-SP).
A
advogada Gabriela Jajah, do escritório Siqueira Castro, complementa que o
principal motivo para o desenquadramento em São Paulo, segundo os casos em que
atua, é a terceirização de serviços pelas sociedades. "São atos totalmente
arbitrários", diz. "Se subcontratar um serviço, ela estará sujeita ao
desenquadramento. Isso pode ocorrer, por exemplo, na hipótese de uma sociedade
médica solicitar um exame laboratorial necessário à sua atividade-fim",
acrescenta.
As
sociedades, por outro lado, têm argumentado, na Justiça, que no parágrafo único
do mesmo artigo 966 do Código Civil consta que "quem exerce profissão
intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o
concurso de auxiliares ou colaboradores" não pode ser considerada como
empresária.
Por
meio de nota, a Secretaria de Negócios Jurídicos do município de São Paulo
informou que irá recorrer. Afirmou ainda que a decisão da 3ª Vara de Fazenda
Pública sobre o caso reflete um posicionamento minoritário no Poder Judiciário.
"Entendimento do Superior Tribunal de Justiça afasta o recolhimento fixo
de ISS das chamadas sociedades uniprofissionais que ostentam natureza de
sociedade empresária limitada, tal como no caso, justamente porque, assim, seus
sócios não assumem responsabilidade pessoal na prestação dos serviços",
diz na nota.
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