Por Gabriela Miziara Jajah e Daniel Franco Clarke
Fonte: Valor Econômico
Muito se discute a respeito do projeto de iniciativa do
Ministério da Fazenda que trata da unificação das sistemáticas cumulativa e não
cumulativa de PIS e Cofins, e a criação do conceito de créditos financeiros das
contribuições. Apesar de a reforma ser premente, qualquer mudança no regime de
apuração de tais contribuições deve vir acompanhada de soluções concretas para
a melhora de um dos maiores gargalos tributários do país.
A
ideia original do legislador de 2002/2003 com a instituição da sistemática não
cumulativa das contribuições era a de criar um tributo sem incidência em
cascata, a exemplo do que ocorreria com o ICMS e IPI, com a contrapartida de
que as suas alíquotas seriam majoradas, de 0,65% para 1,65%, e de 3% para 7,65%
para PIS e Cofins, respectivamente.
Assim,
o Estado iria “dar com uma mão”, ao admitir os créditos das contribuições, e
“tirar com a outra”, ao elevar as alíquotas da sistemática anterior
(cumulativa). Em outras palavras, o contribuinte iria sair no “zero a zero”.
Mas não foi isso o que aconteceu. Isso porque a compreensão do que devem ser
considerados insumos das contribuições ao PIS e Cofins tem oscilado
significativamente.
Inicialmente,
o próprio Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve um
posicionamento excessivamente rigoroso no conceito dos insumos passíveis de
abatimento da base de cálculo das referidas contribuições, reconhecendo-se como
tal apenas os produtos inseridos no processo produtivo das empresas, à
semelhança do que ocorre com o ICMS e IPI.
Depois
disso, a jurisprudência do Tribunal passou a construir um conceito mais
alargado, reconhecendo-se como créditos de PIS e Cofins todas as despesas e
custos comprovadamente realizados, em paralelo com a legislação do IRPJ.
Queremos
previsibilidade e segurança, de modo que, se adotada determinada regra, a RFB
não se articule para desconstituir essa premissa
A
fase de maturação parece que foi atingida a partir do momento em que se buscou
a essência da legislação, ao se considerar como insumos todos os bens e
serviços essenciais à atividade de determinada empresa a depender do segmento
de atividade considerado.
Muitos
dos julgados recentes dessa Corte administrativa, no pós-Zelotes, têm se
mostrado favoráveis a diversos contribuintes, a exemplo do que ocorreu no
reconhecimento como insumos dos valores desembolsados a título de frete entre
estabelecimentos de uma empresa do setor siderúrgico.
Entretanto,
ainda que a análise do conceito de crédito de PIS e Cofins tenha evoluído e
passado por um processo de maturação, o que pode até gerar expectativa de
previsibilidade aos contribuintes na apuração e recolhimento de tais
contribuições, fato é que toda evolução que ocorreu nessa seara (inclusive sob
a perspectiva da jurisprudência do Carf) está muito aquém das perspectivas dos
contribuintes.
O
que se vê, no dia a dia, é um desperdício de tempo e dinheiro no procedimento
de avaliação e reconhecimento do que seriam os bens e serviços passíveis de
gerar créditos de tais contribuições. Diga-se, desperdício inócuo, na medida em
que raramente algum contribuinte submetido à fiscalização pela Receita Federal
do Brasil (RFB) tendo por alvo as referidas contribuições sai incólume, ante o
excessivo rigorismo aplicado pela RFB no reconhecimento dos créditos.
O
governo federal, por intermédio de projeto de iniciativa do Ministério da
Fazenda, na busca de uma solução para a matéria, que sobrecarrega não só o
próprio Carf, mas o Poder Judiciário, avalia extinguir a sistemática cumulativa
do PIS e Cofins, ainda aplicável para algumas receitas (telecomunicações),
determinados setores (instituições financeiras, seguradoras) e contribuintes
submetidos ao lucro presumido, e simplificar a estrutura de tomada de créditos
das contribuições na sistemática não cumulativa.
A
simplificação proposta se daria mediante o reconhecimento do conceito de
crédito financeiro das contribuições, de modo a admitir que quaisquer custos e
despesas incorridos pela empresa estejam aptos a enquadrar-se ao conceito de
insumos. Nesse caso, o modelo proposto seria implementado inicialmente ao PIS,
cuja carga tributária (mensurada pela sua alíquota) independentemente da
sistemática de apuração é muito menor que a de Cofins, e, se validado, também
seria aplicado à Cofins.
O
receio do governo federal na alteração do regime de apuração e recolhimento das
contribuições sociais é também arrecadatório, e, por isso, eventual alteração
começaria pelo tributo com menor impacto orçamentário.
É
claro que esse tipo de iniciativa poderá vir acompanhada de novo aumento de
alíquota, sendo um “déjà-vu” da majoração de alíquotas ocorrida por ocasião da
implementação da sistemática não cumulativa das contribuições.
Não
se quer nesse artigo desenhar o caos que advirá na reconfiguração de tais
tributos, sendo sempre saudáveis, e bem-vindos, novos debates e propostas
envolvendo a simplificação tributária. Entretanto, o que se pretende é
demonstrar que, se criado o instituto do crédito financeiro e novamente
instituída a majoração de alíquotas, teremos mais uma vez a mudança de apuração
e recolhimento das contribuições sociais, suscetível a lobby de todo o tipo,
emendas, ajustes, exceções, regras, sem que, com isso, resolvamos o problema.
Importante
ponderar que o problema não é só o famoso custo-Brasil, que retrai
investimentos de todo o tipo, mas também um custo para a sociedade como um
todo. O excesso de litígios no Poder Judiciário em matéria tributária é
extremamente maléfico para o país, sendo o Estado um dos maiores litigantes.
O
que queremos é previsibilidade e segurança nas normas, de modo que, se adotada
determinada regra (apuração de créditos sobre mão de obra, por exemplo, um dos
grandes pleitos do setor de serviços), a RFB não se articule para desconstituir
essa premissa, e gerar um contencioso em cima disso.
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