Por Everardo Maciel*
Fonte: Estadão
Pesa enorme
insegurança sobre as empresas que investiram sob a égide de legislações estaduais
Ao
explorar esse tema, é indispensável responder a uma indagação preliminar:
incentivos fiscais do ICMS devem existir?
Independentemente
dos argumentos favoráveis ou contrários, observo que se trata de uma falsa
questão. A Constituição (artigo 155, § 2.º, inciso XII, letra g) abona
expressamente a concessão de incentivos fiscais do ICMS, ao prever sua
regulação.
Essa
regra não deve ser lida como mera possibilidade abstrata. Ao contrário, ela
cuida de matéria que já existia antes da promulgação da Constituição de 1988 e
continua a existir.
Competição
fiscal é tão antiga quanto os impostos. Guerra fiscal é a competição fiscal
contrária à lei, e não a que é por ela disciplinada, como os benefícios da Zona
Franca de Manaus.
Incentivos
fiscais do ICMS consistem na redução das alíquotas interestaduais com exigência
de manutenção do crédito no destino, tal como ocorre com o tax sparing, nos
tratados internacionais para prevenir a bitributação da renda. Curiosamente, há
quem defenda a manutenção dos incentivos fiscais desde que, nas operações
interestaduais, a alíquota seja reduzida a zero (princípio do destino) ou
próximo de zero. O incentivo fiscal do ICMS só tem sentido se a alíquota
interestadual for expressiva. Se assim não for, não há incentivo. Em outras
palavras, a pretensão de reduzir as alíquotas interestaduais é uma forma
dissimulada de opor-se ao incentivo fiscal.
Acrescente-se
que a redução de alíquotas interestaduais por resolução do Senado, ao
repercutir sobre os incentivos fiscais do ICMS, implica vício formal de
inconstitucionalidade, porque a matéria é reservada pela Constituição à lei
complementar. Os problemas que adviriam dessa redução não param aí: seria
necessário instituir um fundo de compensações para os Estados que perderiam com
essa mudança, em época de crise fiscal e carga tributária no limite; é
impossível determinar o montante dessas perdas, mesmo porque elas mudam a cada
instante e, portanto, não podem ser perenizadas; haveria acumulação de créditos
de difícil liquidação, nas operações interestaduais de atacadistas.
A
pauta do STF deste mês inclui julgamento de ações relativas à concessão de
benefícios fiscais do ICMS, sem falar da existência de um projeto de súmula
vinculante, que consolida farta jurisprudência dessa Corte quanto à
inconstitucionalidade dos incentivos concedidos em desacordo com o que estipula
a Lei Complementar n.º 24, de 1975.
Pesa,
assim, enorme insegurança sobre as empresas que investiram sob a égide de
legislações estaduais que previam benefícios, suscetíveis, entretanto, de ser
julgados inconstitucionais. A aprovação da súmula vinculante, que em algum
momento ocorrerá, terá efeito de tsunami sobre esses investimentos, o que é
lamentável em tempos de recessão.
A
Lei Complementar n.º 24 está totalmente obsoleta, sendo desrespeitada
seguidamente. Até hoje, contudo, o Congresso não aprovou a nova legislação
complementar, prevista na Lei Maior.
A
despeito disso, tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei complementar
(PLP 54/2015), aprovado pelo Senado, tratando da matéria. Esse projeto, no meu
entender, é tecnicamente mal elaborado, expande equivocadamente os benefícios
para determinados setores (agropecuária, infraestrutura, importação, comércio,
etc.), não estabelece requisitos para concessão nem sanções por seu
descumprimento.
Lembro,
a propósito, que na presidência do Senado dormita anteprojeto de lei
complementar cuidando dos incentivos fiscais do ICMS, elaborado pela Comissão
Especial do Pacto Federativo, da qual fui relator, tendo sido presidida por
Nelson Jobim e integrada, entre outros, por Luís Roberto Barroso (hoje ministro
do STF), Ives Gandra, Paulo Barros Carvalho, Fernando Rezende, Bernardo Appy,
Sérgio Prado e Marco Aurélio Marrafon. O anteprojeto dispõe sobre requisitos
para concessão, sanções, quórum de deliberações, disciplina o passado da guerra
fiscal, etc. Vale a pena examiná-lo.
A
guerra fiscal do ICMS é uma enfermidade que tem cura.
*Consultor
tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002)
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